terça-feira, 24 de agosto de 2010

“Quem quer viver para sempre?, perguntava a canção do Queen. Esta pergunta retórica e sua resposta óbvia eram o resultado da óbvia resposta a outra pergunta feita alguns versos antes:
O que é esta coisa que constrói nossos sonhos
E no entanto foge de nós?

A vida, claro, é o que constrói nossos sonhos – e então parece fugir por entre nossos dedos impotentes. Qual a conclusão inicial da canção a respeito disso?

Não temos chance.
Tudo está decidido para nós.
Este mundo tem apenas um único doce momento
Reservado para nós.

Mas certamente – já que estamos vivos – nós temos, de fato, uma chance, e uma chance única. Emily Dickinson com razão escreveu: “Que nunca será de novo/ é o que torna a vida tão doce.” Nós estamos fadados a morrer, isto é certo. Todavia, a certeza da morte não é bastante para que tudo esteja decidido. Entre este momento e aquele de nossa morte, ao longo de todos aqueles doces momentos (mesmo os mais duros, ainda assim doces, pelo mero fato de serem únicos e reais; já dizia Pessoa: “O mesmo breve ser da mágoa pesa-me,/ Que, inda que mágoa, é vida.”), nós – e ninguém mais – temos que decidir o que fazer do precioso tempo que temos, muito mais precioso porque sabemos com certeza que acabará, mais cedo ou mais tarde.

Alguns dizem que, não importa quão tarde venha o final, a vida humana ainda é curta demais. Isto não é verdade. Dois milênios atrás, Sêneca já sabia disso: “Não é que nós tenhamos um tempo curto, mas sim que nós desperdiçamos muito dele. A vida é longa o bastante, e nos foi dada em suficientemente generosa medida para permitir a realização das maiores coisas, se a sua totalidade for bem investida. Porém, quando ela é desperdiçada em luxo e descuido, quando não é devotada a uma boa finalidade, forçados afinal pela necessidade última nós percebemos que ela passou e se foi, antes que nós percebêssemos que ela estava passando. Portanto, a vida que recebemos não é curta, mas nós a fazemos assim; nem temos dela falta, mas apenas desperdício. Assim como uma grande riqueza é dilapidada num momento quando chega às mãos de um mau proprietário, ao passo que uma riqueza limitada, se confiada a um bom guardião, aumenta com o uso, assim nossa vida é abundantemente longa para quem a conduz de modo adequado.”

Claro, não importa quão longa ou plena seja uma vida humana, ela eventualmente chega ao fim. Não há escapatória: como diz outra canção, nós somos todos poeira ao vento; se fecharmos nossos olhos apenas por um momento, o momento terá passado; tudo que fazemos desmorona; e nem mesmo a terra e o céu durarão para sempre. Embora nós já não estaremos mais aqui há muito tempo, alguns bilhões de anos no futuro o Sol – e com ele nosso planeta – deixará de existir. É inevitável.

Mas e daí? Susan Ertz observou que “milhões daqueles que anseiam pela eternidade não sabem o que fazer de si mesmos numa tarde chuvosa de domingo.” E isto é precisamente o que não deveria acontecer – o que não pode acontecer: o desperdício desta oportunidade única de estar vivo.

O aspecto que na verdade se revela mais problemático não é a nossa própria morte, mas a perda daqueles que amamos. Contudo, ao reinterpretar os versos iniciais da nossa canção, nós conseguimos atingir sua conclusão final e nossa única solução possível: se não há tempo para nós, senão agora; se não há lugar para nós, senão aqui; então o que você deve fazer – de fato, o que você tem que fazer – é

[…] tocar minhas lágrimas com seus lábios
Tocar meu mundo com as pontas dos seus dedos
E nós podemos ter o para sempre
E nós podemos amar para sempre.”

Afinal, é aqui e agora que nós vivemos, não noutro mundo ou na eternidade. Mesmo aqueles que permanecem esperando para sempre, sem perceber que não haverá uma segunda chance. “Para sempre é o nosso hoje”, diz nossa canção. Nós podemos fazer melhor: hoje é nosso sempre.

2 comentários:

  1. Assim falou Zaratustra.... rsrsrs... Muito legal Charles, fez o blog pensar!

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  2. Há uma coisa que retorna sempre, embora nunca seja o mesmo:

    POEMA


    Sereno ele retorna do impossível
    Traz no bico de prata
    a rosa azul dos sonhos que tivemos
    e nos pés de cristal a morna terra das estrelas
    Branco e tranquilo e leve e livre e alegre
    quase como se morto já estivesse
    o pássaro feliz esvoaçava em meu seio
    afugentando as sombras com seu canto


    Mário Faustino

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