sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Nihil novi sub sole

Nihil novi sub sole


Dong zhi, Yule, Yaldā, Saturnalia, Kračún, Christmas, Natal. Parece que nada há mesmo de novo sob o Sol, ou em torno dele. Há milênios celebramos, na noite mais longa do ano (ao menos para nossos ancestrais no hemisfério norte, como o Inti Raymi dos Incas, celebrado em junho, ainda nos lembra), o início do renascimento do Sol e, com ele, o retorno do verde, da vida, da fertilidade. Não fosse a inclinação do imaginário eixo terrestre, não teríamos as quatro estações; pouca diferença faria o movimento de translação da Terra em sua órbita elíptica ao redor do Sol. Sem o contraste do rigor invernal com a exuberância primaveril, teriam nossos pré-históricos antepassados percebido a importância do Sol para a sua sobrevivência?
Certamente não teríamos a Árvore de Natal para nos lembrar da persistência da vida, mesmo sob as condições mais severas. Mas nem por isto nossos antepassados deixariam de imaginar que eram deuses os gigantes que viam vagando pelos céus, nem deixariam de associá-los às coisas cotidianas, fossem aquelas externas (a guerra, as tempestades), internas (o amor, a beleza, a sabedoria) ou mesmo metafísicas (como a passagem do tempo). Provavelmente ainda teríamos nossa semana de sete dias – e talvez o mais importante deles ainda fosse associado ao Sol, o maior dos deuses antigos. Uma coisa, porém, certamente seria diferente: não teríamos o “mistério” da morte e ressurreição de tantos deuses. Apolo, Dioniso, Osíris, Mitra, Jesus. “Nasce um Deus. Outros morrem. A Verdade/ Nem veio nem se foi: o Erro mudou.” Assim começa Fernando Pessoa seu pequenino poema intitulado Natal.
Mas que importa que nome damos ao que há de divino, de sublime, nesta data? Os mitos são apenas o veículo para a verdade: o fato de que nós temos quatro estações, e elas têm reflexo em nossa psicologia. Nós nos acostumamos, desde há milênios, a dividir nossas vidas em ciclos; talvez assim seja mais fácil seguir adiante, e uma das razões para isto é o fato de sabermos que cada inverno, cada contratempo, problema, vicissitude, conflito, revés – tudo vai passar. O Sol voltará a brilhar, a primavera virá, a vida florescerá novamente e tudo será melhor.
Já se observou que as necessidades preenchidas pelos deuses variam de acordo com a sociedade. Em sociedades pequenas e simples, com tecnologia rudimentar, intimidade e solidariedade surgem naturalmente entre seus membros e o papel dos deuses consiste em protegê-los contra as forças da natureza, sobre as quais possuem nenhum controle. Sociedades grandes e complexas, tecnologicamente avançadas, por outro lado, podem prever e controlar, em certa medida, o mundo físico, mas seus membros se ressentem do individualismo, da alienação, da solidão.
É evidente que nós nos distanciamos do significado original da celebração do solstício de inverno, já que nossa sobrevivência não está mais tão intrinsecamente ligada aos ciclos da natureza. Não mais necessitamos de deuses para nos trazer chuvas, ou boas colheitas, ou fertilidade para os animais e para nós mesmos. Mas se ainda necessitamos deles para satisfazer anseios emocionais e para nos fazer lembrar que as pessoas à nossa volta são seres humanos, que seja este então o significado desta data. Apesar das idealizações românticas, verdadeiro altruísmo, puro, desinteressado, é algo que não existe na natureza – mas talvez seres pensantes, sencientes e sociais como nós possam enfim criar algo de novo sob o Sol.
Compreender os ciclos da vida deveria fazer com que nos preparássemos melhor para o próximo inverno – o que nem sempre acontece. Neste momento, contudo, o que importa é celebrar a renovação, o renascimento interior – e, quem sabe, contribuir para uma renovação exterior também, tornando o mundo um pouco melhor no novo ciclo que se inicia. Afinal, como cantaram os Beatles, é um tolo quem se acha o máximo por fazer do mundo um lugar mais frio.

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